Você está aqui: Página Inicial > Contents > Páginas > Eli-Eri Moura - Jornal da Paraíba (2004)
conteúdo

Eli-Eri Moura - Jornal da Paraíba (2004)

por Compomus publicado 11/02/2020 23h32, última modificação 11/02/2020 23h32
Trechos de entrevista a Luiz Carlos de Sousa, publicada no Jornal da Paraíba em 14 de março de 2004

Eli-Eri - Jornal da Paraiba 2004

 

JP - Que resultados podem ser computados pelo Departamento de Música da UFPB?

EEM - O Departamento de Música da UFPB firmou na Paraíba um pólo musical que tem irradiado resultados positivos por todo o Nordeste e mesmo pelo País. Ele tem provido as orquestras e escolas de Música do Brasil todo com ótimos profissionais, oriundos de seus cursos de extensão e de graduação. Não são poucos os que se formaram aqui e hoje são destaque no cenário musical brasileiro, como Radegundis Feitosa, Nailson Simões, Ibaney Chasin, Yara Borges, Vivian Siedlecki, Raiff Dantas, Sandoval de Oliveira, Felipe Avellar, somente para citar alguns. Acredito que, atualmente, o nosso seja o Departamento de Música no Brasil com o maior número de CDs produzidos. Estes CDs registram o trabalho de altíssima qualidade de grupos como o Quinteto Brassil, JP-Sax, Quinteto Paraíba, dentre vários outros. Também é bom salientar que cada vez mais o nome da UFPB aparece em revistas especializadas de música (brasileiras e estrangeiras), divulgando os trabalhos de pesquisa de professores como Didier Guigue, Ilza Nogueira, Hermes Alvarenga e Felipe Avellar. Estes resultados deverão se tornar ainda mais expressivos com a abertura do nosso programa de pós-graduação, que está em via de acontecer.

JP - Hoje, em que áreas o Departamento se destaca?

EEM - Sob a liderança da pianista Ana Lúcia Altino, o Departamento foi criado 25 anos atrás visando especialmente a área de performance. Oferecendo o maior número de habilidades em instrumento no País, ele concentrou por muitos anos sua vocação nesse aspecto da música. Esse fato e a presença de renomados artistas no seu corpo docente atraíram alunos de todos os lugares do Brasil. Basta lembrar que, por vários anos, se viu aqui uma verdadeira peregrinação de alunos para estudar piano com Kaplan, para citar apenas um caso. Hoje, outras áreas estão adquirindo espaço. Uma delas é a musicologia, através de um trabalho liderado pelo professor Didier Guigue, à frente do GMT (Grupo de Pesquisas em Música, Musicologia e Tecnologia Aplicada). Outra área é a composição, que foi oficialmente implantada na UFPB no ano passado, através da criação do COMPOMUS (Laboratório de Composição Musical). Digo ‘oficialmente' porque a Paraíba tem toda uma história anterior de sucesso nesse campo, representada no trabalho de compositores, todos vinculados à UFPB, como José Alberto Kaplan, Ilza Nogueira, Didier Guigue, Carlos Anísio, Tom K, e outros.

JP - A iniciativa da UFPB de investir no estudo da música pode ser considerada vitoriosa?

EEM - Eu diria vitoriosíssima! A história musical recente da Paraíba está intimamente ligada ao Departamento de Música da UFPB. Certamente, todo o intenso movimento musical visto na Paraíba nas duas últimas décadas, a existência de orquestras sinfônicas de grande porte, a atuação de numerosos grupos de câmera, corais universitários, concertos todas as semanas e gravações de CDs seriam inconcebíveis sem o trabalho que foi e está sendo realizado na UFPB.

JP - Como o senhor avalia a música na Paraíba hoje? Mantemos a tradição de celeiro de talentos?

EEM - A Paraíba continua a manter, no Nordeste, uma posição muito especial no campo da música. Cito alguns fatos: acima da Bahia, é o único Estado a concentrar tantas atividades de performance musical; é também o único a enviar regularmente quatro compositores para representar o Norte-Nordeste (não contando Bahia) nas Bienais de Música Brasileira Contemporânea e em diversos outros festivais, nacionais e internacionais; também não é à toa que temos aqui uma Ilza Nogueira, que nos representa na Academia Brasileira de Música. Novos talentos continuam a surgir, provindos não somente do Departamento de Música, como também da Escola de Música do Estado Antenor Navarro. Recentemente me impressionou bastante o Grupo Quarta Dimensão, formado por alunos do Bacharelado de Música. Na composição, vários jovens promissores despontam, a exemplo de Ticiano Rocha, Marcílio Onofre, Herlon Rocha, Samuel Correia, Kayami Farias, Rogério Borges, somente para mencionar alguns.

JP - A opção na UFPB sempre foi o ensino da música acadêmica, erudita. Por que não desenvolvemos experiência com música popular?

EEM - Os aspectos técnicos aplicados à chamada música erudita, tanto na parte da performance quanto na da criação, não excluem a música popular. O músico que tem uma formação acadêmica, mesmo que opte pelo mercado da música popular, sempre terá mais recursos técnicos a sua disposição. Muitos paraibanos que se destacam hoje no cenário da música popular passaram de alguma forma pelo Departamento de Música. Lembro-me agora de nomes como João Linhares, Sérgio Gallo, Xisto Medeiros, Renata Arruda, Soraia Bandeira, Esmeraldo Marques e integrantes do Cabruera. Mas concordo que seria interessante que tivéssemos disciplinas e mesmo cursos mais direcionados às questões específicas da música popular. No atual projeto de reforma do Bacharelado, há propostas nesse sentido.

JP - Temos exportado muitos talentos, como o senhor citou. Por que eles não ficam aqui?

EEM - Muitos ficam. Cito um dado que comprova isso: na reestruturação da Orquestra Sinfônica, há vinte e cinco anos, foi preciso trazer vários “estrangeiros” para integrar seus quadros. A presença de músicos locais era bem pequena. Hoje é o contrário: a maioria dos integrantes da Orquestra é composta por profissionais formados aqui. Evidentemente, muitos outros músicos, após concluírem seus cursos na Paraíba, buscam novos horizontes, atrás de maiores mercados de trabalho, maior capacitação em cursos de pós-graduação, etc.

JP - O movimento coral na Paraíba já foi de grande expressão, mas nos últimos anos diminuiu o número de corais...

EEM - Não sei se diminuiu o número de corais. Talvez tenha diminuído o número de corais que realizam trabalhos diferenciados. No passado, corais que desenvolviam esses trabalhos se evidenciavam bastante e atraíam um grande público, como o Coral Universitário Gazzi de Sá, o Coral Universitário de Campina Grande, o Grupo Camena, o Grupo Anima, entre outros. Mas temos hoje coros com trabalhos de peso, como o excelente Villa-Lobos, sob a regência de Carlos Anísio, o Coral Universitário da UFCG, dirigido por Lemuel Guerra, e o Coral do DARTES, de Eduardo Nóbrega.

JP - Sua opção por compor uma música mais elaborada não lhe parece elitista?

EEM - De forma alguma. Essa história de música elitista é baseada numa falsa premissa, defendida por pessoas que geralmente lucram com a música extremamente pobre e de má qualidade que grassa na mídia brasileira. Por ser abstrata, por não defender teses, a música, seja ela a mais elaborada, pode ser assimilada e apreciada por qualquer pessoa. Se as pessoas fossem expostas a uma música mais rica e sofisticada, se tivessem opção, aposto que não existiriam tantas duplas sertanejas e grupos de música baiana por aí.

JP - O que o senhor quer dizer como música pobre e de má qualidade que grassa na mídia?

EEM - Refiro-me a músicas que apresentam recursos extremamente limitados e uma redundância absoluta, músicas calcadas em clichês já cansados, sem um mínimo de criatividade.

JP - O senhor não acredita que a música popular brasileira seja a maior expressão artística de nossa gente?

EEM - Acredito, sim. No entanto, convém lembrar que esse estereótipo de “música popular como nossa maior expressão artística” surgiu não somente devido à profusão dessa música no nosso País e à intensidade com que afeta nosso povo. Surgiu, principalmente, devido à sua variedade e riqueza, bem como sua qualidade. Ficamos conhecidos pela grande variedade de nossas raízes e manifestações folclóricas musicais, que vão do frevo ao maracatu, da autêntica música sertaneja (não me refiro a sertanejos eletrônicos) ao autêntico forró (também não me refiro aos forrós eletrônicos difundidos na mídia). O que também nos tornou uma “potência” no campo da música popular urbana, com grande proeminência no cenário internacional, foi o diferencial no aspecto da qualidade. Temos toda uma história, no século XX, de música popular de grande qualidade, que culmina nas décadas de oitenta e noventa nos trabalhos de artistas como Tom Jobim, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan, Arrigo Barnabé, Chico Buarque, Gilberto Gil, Alceu Valença, Sivuca, Geraldo Azevedo, Vital Farias, Zé Ramalho, Paralamas, somente para citar alguns dos mais famosos.

JP - Não é a música a arte que permite a revelação dos segredos mais profundos do ser humano e que para isso tanto faz a forma perfeita das sinfonias de Beethoven, da produtividade de Bach, da criatividade de Mozart ou a explosão da música sertaneja ou do axé music baiano?

EEM - Se o que você quer dizer é que a grande variedade de músicas, em seus aspectos qualitativos e estilísticos, reflete a imensa quantidade de fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais que formam o ser humano, e que, nessa medida, o melhor de Mozart é tão válido quanto o pior de Zezé di Camargo e Luciano, talvez seja assim. No entanto, graças a Deus, o que tem permeado a nossa sobrevivência e crescimento como seres humanos é a busca incessante do conhecimento, dos meios mais sofisticados de expressão (inclusive artística) e de entendimento do universo. Nessas bases, podemos fazer outra comparação entre esses tipos de música: uma estaria para uma grande ponte, um grande projeto de engenharia (tipo ponte Rio–Niterói), enquanto a outra estaria para uma tábua servindo de ponte. Você certamente irá bem mais longe com a primeira do que com a segunda.

JP - Como cientista da música, que caminhos nos esperam?

EEM - No campo da arte é sempre muito difícil prever futuros caminhos. O presente momento histórico apresenta uma grande variedade de estilos, métodos, linguagens, fusões. A vanguarda, o experimentalismo, o novo pelo novo, característicos das décadas de 60 e 70, ficaram rapidamente datados. Muitos dos protagonistas de novidades como serialismo total, aleatorismo, minimalismo, massas sonoras, etc., retornaram a procedimentos mais convencionais ou procuraram pontos de fusão com outros caminhos. Hoje, não temos mais “escolas” ou “movimentos” bem caracterizados como tínhamos até pouco tempo atrás; cada compositor é, digamos assim, livre para inventar sua própria linguagem e seguir seu próprio rumo. Acredito que continue assim por algum tempo.